[Por: Wir Caetano]

No livro “Tempo do passado – Cultura da Memória e Guinada Subjetiva” (Editora UFMG/Companhia das Letras), a argentina Beatriz Sarlo, professora de literatura, tece críticas ao “exagero de subjetividade” na recuperação histórica, isto é, à tendência em se contar a história apenas com base em testemunhos. 

Em entrevista ao jornalista João Pombo Barile, do jornal belo-horizontino “O Tempo”, em abril, ela disse, ao comentar sua obra: “O que quero dizer é que o sujeito não garante nenhuma verdade, simplesmente pelo fato de assegurar que o que narra é algo que a ele aconteceu”. E complementou: “Não é imprescindível atribuir-lhe [ao testemunho] uma verdade superior aos textos escritos, os documentos, as publicações em diários, os artigos ou os livros que formam parte do solo político cultural de um período”.

A reflexão de Beatriz me dá a deixa para me referir ao historiador Antonio Marques, coordenador do Centro de Documentação e Memória Sindical (Cedoc), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), com quem estive aprendendo umas coisas em São Paulo (SP), na semana passada.

Antônio Marques destacou a importância de se investir na organização de arquivos, quando se pretende preservar uma história. Em sua visão, projetos voltados apenas para dar relevo a uma memória em datas comemorativas tendem a morrer. É preciso cuidar dos documentos e administrá-los de forma a tornar perenes e de fácil acesso as fontes de pesquisas. O que ele não disse explicitamente, mas podemos depreender de sua fala e acrescentar é o seguinte: caso contrário, podemos ficar dependendo apenas de depoimentos que, com sua parcialidade, podem tanto contar quanto ocultar a história.

A cultura arquivística é um desafio que movimentos populares ainda enfrentam e precisam consolidá-la para não dependerem apenas da voz dos outros, daqueles que, muitas vezes, preferem, tão somente, divulgar a leitura imposta pela sua subjetividade.

A historiadora Jaci Barleta, do Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista (Cedem -Unesp), com quem também conversei, citou o caso de um movimento social que, na avaliação dela, é o mais organizado do país, mas, por outro lado, lhe falta o cuidado com a preservação de seus documentos. A conseqüência pode ser a armadilha da subjetividade. A própria e a dos outros.

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