Uma das principais pautas dessa Greve Geral foi a rejeição completa pelos trabalhadores à Reforma da Previdência
[Escrito por: André Barreto* – Rede Brasil Atual]
Nas mobilizações, piquetes e paralisações da Greve Geral do dia 28 de abril – protagonizada por uma inédita unidade política entre Centras Sindicais e as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, na qual cerca de 45 milhões de trabalhadores brasileiros pararam – foi dado o recado claro de que não serão aqueles/as que vivem do trabalho que irão pagar a conta da crise econômica no país. Uma das principais pautas dessa Greve Geral foi a rejeição completa pela classe obreira à Reforma da Previdência (PEC 287/2016), hoje prestes a entrar em votação na Câmara de Deputados. Dias depois à greve, o Governo ilegítimo, em claro recuo político, propôs alterações no texto da Reforma, mas que, mesmo assim, não deixa de decretar o fim do sistema público de Seguridade Social no Brasil.
Em resumo, pode-se destacar que essa Reforma irá resultar em um grave retrocesso aos direitos sociais dos trabalhadores brasileiros, conquistas fruto de históricas lutas, já que, desde um projeto neoliberal para nossa nação, com as mudanças propostas, será sucateado todo o sistema público de Seguridade – criado na Constituição de 1988 e orientado pelos princípios da solidariedade e da universalidade para amparar financeiramente os trabalhadores e trabalhadoras, bem como seus familiares, substituindo sua remuneração, quando se encontram em situação de risco ou vulnerabilidade social. Ou seja, perseguindo os fins últimos do Golpe de Estado perpetrado no ano passado, ante ao sucateamento desse serviço público, outro destino ele terá senão a sua privatização, passando a ser oferecido por Bancos e instituições financeiras privadas, sob uma lógica de mercado, não enquanto direito.
Mas, afinal, como concretamente ocorrerá esse sucateamento da Previdência Social? Além das reduções no quadro de servidores e terceirizações já feitas nos últimos anos no INSS, a principal consequência das mudanças nas regras dos benefícios da Previdência será a redução no valor desses benefícios e o cerceamento de aposentadorias, já que menos pessoas poderão na prática acessar as aposentadorias e pensões ou goza-los por menos tempo do que hoje.
A seguir, destacamos alguns dos principais pontos de propostos na PEC 287 para alterar o sistema de Previdência Social no Brasil e os seus impactos à classe trabalhadora:
1. Idade mínima para a aposentadoria
Segundo o discurso oficial do Governo golpista e dos agentes econômicos do mercado, o principal ponto da reforma é o de criar uma idade mínima para que os trabalhadores possam da entrada no pedido de aposentadoria.
Como é hoje? Segundo a Lei 8.213/91, para se aposentar, pode-se optar pela aposentadoria por idade – em que se exige 180 meses de contribuição e a idade mínima de 65 anos, homem, e 60 anos, mulher, com redução de 5 anos no caso de trabalhadores rurais – ou pela aposentadoria por tempo de contribuição (na qual se aplica a regra 85/95 – a soma da idade mais o tempo de contribuição deve ser de 85 anos para mulheres e 95 anos para homens). O que vem com a Reforma da Previdência do governo golpista? A reforma pretende acabar com a aposentadoria por tempo de contribuição. Inicialmente era previsto na proposta uma idade mínima única de 65 anos para todas as modalidades de aposentadoria, aplicada também tanto para homens como mulheres, trabalhadores urbanos e rurais.
No relatório da PEC apresentado pelo deputado Arthur Maia (PPS-BA), na comissão especial da Câmara, houve recuo do Governo golpista nessa questão da idade mínima, ante às mobilizações dos sindicatos e movimentos sociais. Assim, no texto atual, a proposta é de se ter uma idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres, válida aos trabalhadores urbanos e servidores públicos. Já os trabalhadores rurais, terão que ter 60 e 57 anos (homens e mulheres).
Assim, a principal consequência dessa regra será o de aprofundar desigualdades sociais no Brasil – irá gerar mais desequilíbrios, impor num país tão desigual regras mais rígidas que as praticadas por nações desenvolvidas. Assim é injusto, por exemplo, um trabalhador rural do nordeste brasileiro ser submetido a regras de aposentadoria mais exigentes do que as praticadas ao trabalhador urbano da Escandinávia. No Brasil, segundo dados do relatório lançado pela Anfip e Dieese, a expectativa de sobrevida aos 65 anos é três anos inferior aos países centrais do capitalismo; já a expectativa de vida ao nascer no nosso país (75 anos) é seis anos inferior àquelas nações; desse modo, a expectativa de duração da aposentadoria aqui é cerca de oito anos inferior à verificada nos países desenvolvidos.
2. Tempo de contribuição para se aposentar
Outra mudança significativa nas regras da aposentadoria, que dificultará os trabalhadores de se aposentarem, será quanto ao tempo de contribuição. Como dito acima, hoje, o trabalhador precisa, em regra, de realizar 180 contribuições mensais (cerca de 15 anos, na aposentadoria por idade). Quais as mudanças com a Reforma? Nas regras presentes na Reforma proposta pelo governo golpista, cria-se um regime único de aposentadoria em que esse tempo mínimo de contribuição aumentará para 25 anos. Tal regra irá prestigiar os poucos trabalhadores que conseguirem acessar empregos e se manter por mais tempo no mercado de trabalho formal, algo que se tornará uma raridade caso seja aprovada a também impopular Reforma Trabalhista.
3. Valor e forma de cálculo da aposentadoria
Outra regra que resultará no “assalto” aos direitos sociais dos trabalhadores brasileiros, caso aprovada a PEC 287, será a nova forma de cálculo do valor da aposentadoria. Em resumo, segundo o proposto inicialmente pelo governo usurpador, o valor do benefício de aposentadoria seria equivalente a 51% do salário de benefício (antes era 70%) – calculado pela média de todos salários de contribuição dos 25 anos (antes era sobre a média dos 80% maiores salários de contribuição) -, mais 1% por ano de contribuição. Portanto, ao se aposentar o valor que o trabalhador receberia de aposentadoria todo mês seria de 76% das médias de contribuições (51% mais 25% referente aos 25 anos de contribuição), sendo necessário trabalhar por 49 anos para se ter a aposentadoria integral.
Com as mobilizações nas ruas contra as Reformas e o clima geral de rejeição presente no povo brasileiro, o governo ilegítimo recuou nessa questão também. Segundo o atual texto da Reforma, em vez de trabalhar-se 49 anos seguidos para a aposentadoria integral, será exigido 40 anos de contribuição.
A forma de cálculo da aposentadoria passaria a ser seguinte: o valor será correspondente a 70% da média salarial, mais uma porcentagem que aumenta progressivamente (primeiro 1,5%, depois 2% e 2,5%). 25 anos de contribuição levarão a receber 70% da média salarial; 30 anos, 77,5% da média salarial; 35 anos de contribuição, 87,5%; e 40 anos que resultará em 100% da média salarial recebida ao longo de toda vida. Ou seja, na prática, considera-se que a pessoa trabalhará 40 anos ininterruptamente, contribuindo ao INSS, sem nunca ter ficado desempregado, na informalidade ou contratado sem carteira. Mesmo com esse recuo na proposta ainda fica clara a intenção do governo temerário de diminuir os valores das aposentadorias e, dessa forma, fazer o povo trabalhar mais e ganhar menos.
4. O fim da aposentadoria rural
Em relação às regras da aposentadoria de trabalhadores rurais, também houve recuo do Governo Temer frente às mobilizações dos sindicatos rurais e do Abril Vermelho, promovido pelo MST. Como é hoje? Atualmente, para acessar à aposentadoria, o trabalhador rural, ao atingir os 55 anos de idade (mulher) e 60 anos (homem), apenas precisar comprovar junto ao INSS que exerceu o trabalho no campo por 15 anos, não necessariamente de forma ininterrupta, mas principalmente no período mais recente. Em geral, essa comprovação é realizada mediante documentos, como declarações do sindicato de trabalhadores rurais (STTR’s), declaração de beneficiário da reforma agrária emitida pelo INCRA (se for este o caso) ou mesmo notas de venda de produtos agrícolas. Tal regime especial de aposentadoria à mulher e homem do campo é considerado como medida de combate à desigualdade social no meio rural e promoção de distribuição de renda.
Como estava previsto inicialmente na Reforma Previdenciária de Temer? Todos os trabalhadores do campo, homens e mulheres, teriam que atingir a idade mínima de 65 anos, além de tornar obrigatória a contribuição em caráter individual a ser feito a cada membro da família com pagamento mensal por 25 anos, alíquota a ser definida em lei. Com o recuo, como está a atual proposta em votação no Congresso Nacional? Em vez da idade mínima de 65 anos, passará a se exigir a idade mínima de 60 e 57 anos (homens e mulheres) para se aposentar, mantendo-se a exigência de contribuições mensais por 15 anos aos INSS. Ou seja, na prática, a proposta do governo ainda segue retirando o direito à aposentadoria dos povos do campo – seria o fim da aposentadoria rural.
5. Mudanças na pensão por morte
A pensão por morte é um benefício pago aos dependentes (cônjuge, companheiro/a e/ou filhos) do/a trabalhador/a segurado do INSS que vier a falecer, visando a manutenção da renda da família. Como é hoje? O valor pago corresponde à 100% do valor da aposentadoria que o segurado falecido recebia ou que teria direito; é possível a acumulação por parte do dependente de receber aposentadoria e pensão; duração de 4 meses da pensão, caso o casamento ou união estável tiver sido iniciado em 2 anos antes do óbito; duração variável de recebimento do benefício segundo a idade do dependente. O que muda? A Reforma estabelece uma nova forma de calcular o valor do benefício, o qual corresponderá à 50% da aposentadoria + 10% por filho dependente, sendo o reajuste anual deste desvinculado do salário-mínimo, não se acumulando essa parcela quando esse filho atingir a idade de 21 anos. Nada muda em relação à duração variável de recebimento da pensão.
Houve recuo do Governo Temer nas regras desse benefício quanto à previsão inicial de estabelecer-se o teto um salário mínimo para a pensão por morte – na proposta presente no relatório do deputado Arthur Maia, tal previsão foi excluída. Quanto ao acúmulo de pensão com aposentadoria, poderá ocorrer até o limite de dois salários mínimos – diverso do inicialmente previsto, que era a impossibilidade de acumulação – para quem ultrapassar esse valor, será possível optar pelo benefício de maior valor.
6. Regras da Previdência para servidores públicos, professores, militares e agentes da segurança pública
Diferente dos trabalhadores privados, grande parte dos servidores públicos (federal, estaduais e municipais) não se filiam à Previdência Social, ao INSS, mas tem um sistema próprio, com orçamento e regras próprias – apenas tem que respeitar as diretrizes gerais da Constituição. Em resumo, com a proposta inicial da Reforma da Previdência do governo golpista, a PEC287 prevê o fim das diferenças entre os regimes da Previdência Social e as Previdências Próprias dos servidores. Ou seja, as regras que debatemos acima sobre idade mínima, tempo de contribuição, cálculo do benefício das aposentadorias, as novas regras sobre pensão por morte, etc. passariam a ser aplicadas agora também a todos os servidores públicos. É o fim da integralidade (receber aposentadoria em valor igual à remuneração da ativa) e da paridade (reajuste da aposentadoria igual ao salário de quem está na ativa), bem como o teto de aposentadoria de servidores passaria a ser o teto do INSS.
Em relação aos professores, da iniciativa privada e do serviço público, que inicialmente segundo a PEC 287 não teriam regras especiais de aposentadoria, com o recuo do Governo Temer do último mês, passarão a se aposentar com uma idade reduzida, em relação à regra geral, aos 60 anos de idade, mantendo-se os 25 anos de contribuição. Já os policiais federais e policiais legislativos, também houve recuo do Governo, pois tiveram a idade mínima fixada em 55 anos. Para homens, exigência de 30 anos de contribuição, sendo 25 em atividade policial. Para mulheres, exigência de 25 anos de contribuição, sendo 20 em atividade policial. Nada muda em relação aos policiais civis, sendo submetidos às regras gerais acima descritas. Já os policiais militares, bombeiros e militares das Forças Armadas, a Reforma da Previdência não os atingirá, podendo um projeto de lei ser enviado ao Congresso Nacional posteriormente, bem como devendo cada governo estadual alterar a legislação estadual previdenciária.
7. Benefício assistencial
O BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência que têm renda familiar per capita de até 25% do salário mínimo, não estando vinculado a contribuições ao INSS e pago a pessoas que não recebam outro benefício como aposentadoria ou pensão, não terá, como incialmente pretendido na proposta do Governo Temer, o seu valor desvinculado do salário mínimo. A reforma prevê ainda que a idade mínima, no caso dos idosos, subirá dos atuais 65 anos para 68, diverso da proposta inicial que era de 70 anos. Para as pessoas com deficiência, não há um limite de idade.
8. Regras de transição
Por fim, em relação às regras de transição para quem já está há mais tempo no mercado de trabalho, também houve recuo do governo em relação ao que estava previsto antes na Reforma. Assim, será exigido um “pedágio” de 30% sobre o tempo de contribuição que faltar para atingir 35 anos, para homens, e 30 anos, para mulheres, só podendo acessar essa regra especial de transição as mulheres acima de 53 anos de idade e os homens acima de 55 anos de idade, sendo elevada em um ano tal idade mínima de acesso a cada dois anos. Entendemos que, em verdade não há uma transição, algo gradual, de passagem de um sistema para outro, mas a criação de uma grande barreira que apenas restringe e cerceia o direito de se aposentar e os valores a serem recebidos.
*Advogado e militante da Consulta Popular
Edição: Monyse Ravena