[Por: Wir Caetano, assessor de Comunicação do Sindmon-Metal]
“Escovar a história a contrapelo”. A expressão é do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) ao propor uma abordagem da história do ponto de vista dos oprimidos, dando luz ao que fica à margem das versões que os opressores gravam em livros e outras formas de registro. A citação é oportuna para falar de José Quirino, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de João Monlevade (Sindmon-Metal), falecido no último sábado (19) aos 63 anos.
Quando esteve na presidência da entidade sindical (2002 a 2011), um discurso frequente do sindicalista era sobre a necessidade de ocupar espaços com a voz dos trabalhadores e das trabalhadoras. Essa ocupação deveria tanto se dar retroativamente (como que a remeter à ideia de “libertar o passado”, tão cara a Benjamin), pela recuperação do legado de lideranças do mundo do trabalho não devidamente valorizadas, quanto se realizar no próprio presente: ocupação de instâncias onde se discute a cidade, o estado, o país.
Não foi à toa que suas gestões foram marcadas por uma série de ações culturais e sociais: oficinas de capacitação, eventos de lazer e cultura, apoios a outras entidades. Não se deve desconsiderar o fato de que parte dessas ações tiveram lugar em regiões periféricas da cidade, tradicionalmente esquecidas.
O projeto de ocupar espaços com vozes não hegemônicas veio a se traduzir também na participação de Quirino, como liderança, em algumas instituições envolvidas em debates socioeconômicos e políticos. Ele se tornou dirigente da Federação Estadual dos Metalúrgicos da CUT (FEM/CUT) e da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM/CUT), além de coordenador da Rede de Trabalhadores da ArcelorMittal Brasil, que reúne sindicalistas de todas as unidades da siderúrgica no país.
Já com mais de 60 anos, Quirino graduou-se em Direito e vinha advogando na área trabalhista desde o ano passado. Por várias vezes, defendeu que representantes da classe trabalhadora avançassem cada vez mais nos territórios do conhecimento, principalmente no Direito, para não ficarem sempre à mercê de vozes decisórias alheias aos interesses populares.
Esse “espraiamento” nas disputas de espaços de poder e embates de narrativas é como um rizoma: contra as forças centralizadoras, abrir caminhos para todos os lados, para democratizar a vida e a sociedade.
Mas é preciso recorrer a um conceito bem mais simples, que é central em um livrinho do século 16, para entender algo de grande centralidade no perfil do Quirino que conheci. Esse livrinho é o “Discurso da Servidão Voluntária”, do francês Étienne de La Boétie (1530-1563), e esse conceito, ou melhor, esse valor é a amizade. Segundo o filosófico, a amizade é estranha aos tiranos, que não entendem o que é viver em comum. Quirino era amigo, valorizava o viver em comum, o viver em comunidade. Ser amigo também é fazer política: é espraiar afetos contra a tirania e a opressão.
José Quirino, presente sempre!