Falecido nesta sexta-feira (23), João Paulo Pires de Vasconcellos, um dos mais importantes líderes sindicais brasileiro, nascido em 1932, se filiou ao sindicato em 1961. Eleito presidente em 1972, presidiria a entidade por dois mandatos, até 1978.

Com informações do CEREM (Centro de Referência e Memória do Trabalhador)

O dia de nascimento de João Paulo Pires de Vasconcelos é significativo: 8 de março de 1932. Dia internacional da Mulher, data de luta, portanto. E o espírito combativo iria marcar toda a sua trajetória.

O futuro sindicalista nasceu em Belo Horizonte, em uma família de 11 irmãos. A mãe era de origem urbana. O pai, engenheiro especialista em urbanização, que foi convidado pelo então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitscheck, para planejar o crescimento da capital, tinha raízes rurais.

Segundo João Paulo, o pai trabalhou para o Estado durante 36 anos e, ao morrer, em 1955, a pensão a que teve direito a viúva era menor do que o salário mínimo.

João Paulo começou a trabalhar cedo, aos 14 anos, atuou na área de seguros, foi funcionário da multinacional Morrison Knutsen e da Cemig e, com a morte do pai, assumiu os trabalhos que ele realizava em seu escritório de topografia. Nessa época, o futuro sindicalista não se envolvia em sindicalismo, mas assistiu a várias assembléias comandadas por um líder sindical que lhe serviria como referência: Armando Ziller, filiado ao PC do B e presidente do Sindicato dos Bancários (que representava também os securitários).

O caminho de João para Monlevade seria aberto por um jornalista amigo de família, Cid Rabelo Horta, assessor da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira.

Foi Cid que o indicou para a Samitri, uma indicação que não vingou por questões salariais, e João Paulo acabaria convidado a trabalhar na usina da Belgo em João Monlevade. Em junho de 1960, seguiria para esse distrito de Rio Piracicaba, que era, em termos de logística, quase completamente isolado, atendido por uma estrada de ferro onde a viagem até a capital durava em torno de 6 horas. A BR-262 (depois, 381) ainda estava apenas em fase de terraplenagem.

Em 1960, o sindicalismo começava a apresentar crescimento e, em Monlevade, essa dinamização do movimento sindical era encabeçada por Geraldo Oscar de Menezes, que assumiu o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Rio Piracicaba em 1959. João Paulo era vizinho de Geraldo Oscar, na rua Beira Rio, e se filiou ao sindicato em 1961.

Novo sindicalismo

A ação sindical combativa que Geraldo Oscar inaugurou em João Monlevade iria se consolidar e ganhar novos contornos pelas mãos de João Paulo Pires de Vasconcellos, considerado um dos principais líderes do chamado “Novo Sindicalismo”, representado, a partir dos anos 70, também por sindicatos de metalúrgicos do ABC paulista e pelo Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte, dentre outros.

O “Novo Sindicalismo” tinha como principais características “a conscientização dos trabalhadores a partir do trabalho de base, o fortalecimento dos sindicatos e das oposições sindicais combativas, a solidariedade de classe, o incentivo à combatividade para alcançar as reivindicações, o questionamento da estrutura sindical corporativa vigente, e a origem dos seus dirigentes, que não vinham dos partidos de esquerda tradicionais”.

A chegada de João Paulo à presidência do sindicato de Monlevade enfrentou resistência da diretoria da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira. Conforme relembra Wilson Bastieri, que integrou a executiva da chapa encabeçada por João Paulo, nas eleições sindicais de 1969 e 1972 a empresa fez campanha contra o que rotulou de “Chapa dos Contramestres”, numa referência ao fato de vários integrantes serem supervisores (“contramestre” era uma designação para certo nível de chefia).

A chapa 2, de João Paulo, foi derrotada pela chapa 1, de Ramiro Ribeiro, em 69, mas conseguiu se eleger em 72. Ele presidiria a entidade por dois mandatos, até 1978. Foi nesse ano que ele comandou uma das duas primeiras greves ocorridas no Brasil depois da decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5). A outra foi no ABC, sob comando de Luiz Inácio da Silva, o Lula.

Segundo relatado pelo próprio João Paulo, a greve de 78 foi extremamente estressante. Foi ao final dela que morreria, no dia 11 de setembro, José de Alencar Rocha, antes de assumir a presidência do sindicato. Em depoimento à equipe do Centro de Referência e Memória do Trabalhador (Cerem), em 2007, João Paulo disse que, embora tenha sido dito que Alencar, participante ativo do movimento paredista, morreu de acidente de automóvel, na realidade a razão da morte foi um infarto fulminante quando ele se encontrava ao volante.

Depois de se afastar da presidência do sindicato, João Paulo foi transferido pela Belgo-Mineira para Sabará, com a justificativa de que era para montar uma fábrica de tubos na usina daquela cidade. Lá, um certo dia, os operários começaram a se movimentar e recorreram a ele para encabeçar um movimento reivindicatório. “Começaram a me procurar. No começo eram poucas pessoas, no final era uma assembleia. Então, paramos a usina de Sabará, que não parava desde os anos 40”, lembrou João Paulo no mesmo depoimento.

Depois dessa paralisação, a Belgo transferiu João Paulo para o prédio da administração central da empresa, em Belo Horizonte. “Me deram uma área grande dentro de Fabriciano para eu projetar um loteamento para ela. Isso já foi em 1979, eu quase morri de tanto trabalhar. Eu tinha que estar no escritório às 7h30 e saía às 17h30”. Nesse mesmo ano, começaram a estourar greves pelo estado de Minas afora, mas sem a participação dos sindicatos, segundo João Paulo. “Os sindicatos se acomodaram. A primeira foi em Divinópolis. Eu tive que viajar daqui para lá e voltar para aqui às 7h30, passar a noite lá, administrando greve 23 dias.  Eu dormia, cochilava um pouquinho dentro do carro, depois voltava a cochilar dentro do carro, para pegar às 17h30”, lembrou o sindicalista.

A próxima parada de João Paulo seria novamente João Monlevade, para onde ele insistiu para retornar. A empresa aceitou, mas, segundo ele, “não deixaram mais voltar para dentro da usina” e o transferiu para escritório fora da área operacional. Mas aconteceu mais uma greve, em 1980, sob o comando de José Villar Sobrinho, que recorreu a João Paulo para solicitar apoio. Mais uma vez, ele se engajaria em um movimento paredista em favor dos trabalhadores.

As ações combativas de João Paulo e seus companheiros chegaram a garantir aos funcionários da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, nos anos 80, os salários de padrões mais civilizados no ramo siderúrgico.

CUT e Congresso

João Paulo integrou a primeira direção da Central Única dos Trabalhadores, criada em 1983. Permaneceu três anos. Ele apresentou a carta de demissão durante um congresso nacional da CUT, no Rio de Janeiro, por não ser atendida sua sugestão para que a sede da entidade fosse em Brasília e não em São Paulo, “para acompanhar o governo e o Congresso Nacional”.

Apesar de ser avesso à participação partidária, João Paulo acabaria se tornando deputado constituinte, que ajudaria a lavrar a Constituição Federal de 1988. Segundo ele, houve pressão de sindicatos para que se engajasse na política.

Em 9 de fevereiro de 1980, dirigentes sindicais reunidos no Colégio Santa Marta, em Belo Horizonte, lavraram um documento orientando os objetivos da ação sindical. Uma decisão importante dessa reunião, de acordo com João Paulo, era que indivíduos no exercício de mandatos sindicais não poderiam exercer mandato político-partidário.

Uma reunião em Governador Valadares decidiria pela indicação do nome de João Paulo para concorrer à vaga de deputado constituinte, ainda que contra sua vontade. “Levei esse documento [formulado no Colégio Santa Marta]. Falei: gente, não posso, faço parte de uma diretoria de sindicato”, disse João Paulo. Mas ele seria eleito e conseguiria gravar direitos sociais importantes na Carta Magna e exerceria dois mandatos, no período de 1986 a 1993.

Depois, mesmo fora da política, nunca cessou de redigir e encaminhar a políticos e entidades no Brasil e no exterior correspondências com denúncias sobre condições precárias de trabalho ou sobre políticas econômicas danosas aos trabalhadores.

Sindmon-Metal

Desde outubro do ano passado a diretoria do Sindmon-Metal tentava agendar uma data para receber uma visita do companheiro João Paulo, que, infelizmente, por problemas de saúde, não pôde se concretizar.
 
Mesmo em meio às complicações de saúde, em maio deste ano, dias após a posse da nova diretoria do Sindmon-Metal, João Paulo enviou uma carta muito especial ao Sindicato, por meio da qual dirigia votos de sucesso à diretoria empossada, além de recordar, como sempre fez, a fundamental importância do fortalecimento do movimento sindical.

Veja alguns álbuns de fotos que relembram a trajetória de João Paulo

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